"Uma visita a A-do-Freire para trabalhar e comer figos" ) Relatos de la Vida misma a cargo de J. A. Emídio
0
Comentarios
www.rbtribuna.com - RBTRIBUNA
+ Texto : JOAQUIN ANTÓNIO EMÍDIO, director-geral de O MIRANTE
+ Fotos : O MIRANTE
Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa. É lá que vive a mais entusiasta produtora de figos de Torres Novas e o senhor João Alves Baptista que tem 83 anos e nasceu em Viana do Castelo.
Adofreire é uma aldeia do concelho de Torres Novas onde vivem cerca de 150 almas. Fui lá pela primeira vez muito recentemente no regresso de uma viagem ao Porto, onde renovei energias a ouvir a água de uma cascata, entre idas ao cinema, à livraria e uns mergulhos nas praias fluviais. No dia que desci a sul parei em Adofreite.
Estacionei o carro junto à igreja e sentei-me no degrau de uma porta à espera da Michele Rosa, a produtora de figo preto com quem tinha marcado encontro. Nesse meio tempo, que durou cerca de 20 minutos, só passou por mim uma alma, que puxava uma traquitana a arrojar pelo chão. Entretanto chegou companhia para fazer dupla no trabalho que me levou a Adofreire, e a presença do carro identificado com o símbolo de O MIRANTE incentivou a conversa entre forasteiros e residente. A única alma que tinha passado por mim e dado os bons dias, puxando a traquitana, estava de volta já sem a geringonça pela mão. João Alves Baptista parou na esquina da rua e desta vez meteu conversa. “Este jornal já entrou na minha casa durante muito tempo. Depois deixei de o receber. Tive pena, mas o dinheiro nunca é muito para pagar o que não é pão para a boca”, disse, identificando-nos com o carro, também estacionado no largo da igreja, como se tivéssemos escritos na testa.
“Agora já nem tenho olhos para ler. Mas vim aqui parar de uma terra que tem a festa tradicional mais famosa de Portugal, sabem qual é”, perguntou em jeito de quem queria saber e perceber se a nossa vontade de interagir era genuína. Viana do Castelo, respondemos quase em cima da pergunta. Os seus olhos sorriram e demos-lhe razões para continuar a contar a sua história de vida como se fosse sua obrigação fazer o papel de anfitrião da aldeia enquanto esperamos a mais entusiasta produtora de figos da região.
João Alves Baptista
“Tenho 86 anos e este menino que vos fala ainda faz a lide da casa e trata da mulher que, infelizmente, precisa da minha ajuda. Fui trabalhar para Lisboa onde morei 20 anos. Depois mudei-me para aqui porque vim trabalhar para a Renova. Reformei-me e trabalhei durante muitos anos como empregado de mesa a fazer festas e casamentos. Corri o país. Agora acabou-se. Estou preso em casa por causa da mulher, mas também porque, entretanto, fiquei doente dos pulmões. Uso bomba duas vezes por dia, uma de manhã e outra à noite. Foi há quatro meses que um médico que me deu mais atenção mandou fazer exames. Já andava assim há muito tempo, mas agora os médicos só tratam o que está à vista. Não há tempo para mais. Daí que tenha chegado a um estado ruim, de uma doença pulmonar que demorou a descobrir por falta de exames atempados”.
A conversa estava a aquecer e íamos começar a falar dos filhos e das saudades da terra natal quando apareceu o carro da Michele Rosa que parou e gritou, “bom dia senhor João”, já nós tínhamos levantado o rabo da pedra do degrau da porta para ir ao seu encontro, enquanto o senhor João respondia à saudação e dizia, no timbre de voz em que falávamos, que a Michele era uma rapariga de confiança e filha de gente boa.
Nesse meio tempo em que conversamos com João Alves Baptista, Adofreire parecia a aldeia dos peregrinos; se não fosse a meia dúzia de carros que circularam, e que desapareciam sem fazer barulho suficiente para interromperem a conversa, dir-se-ia que naquela tarde, em Adofreire, éramos os únicos habitantes que não dormiam a sesta ou não se escondiam do sol de Verão entre quatro paredes.
A história acaba aqui, mas, entretanto, ainda está actual a outra que fomos contar conversando com Michele Rosa, que nos mostrou pela primeira vez na vida como se produzem figos de forma ecológica, pendurando armadilhas nas figueiras para apanhar as moscas e assim evitar a pulverização das árvores com o veneno que garante o crescimento saudável do figo, mas prejudica a saúde. Falta contar que Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa apesar de ter apenas cerca de 150 eleitores. No dia 14 de Janeiro de 2001 a população desta localidade boicotou as eleições presidenciais portuguesas não comparecendo às urnas para votar, em protesto, contra a falta de cumprimento da promessa da autarquia de Pedrógão, sede da freguesia, sobre a resolução do problema da poluição da ribeira local. E ainda tem a particularidade de se poder escrever com duas grafias diferentes. - JAE.
+ Texto : JOAQUIN ANTÓNIO EMÍDIO, director-geral de O MIRANTE
+ Fotos : O MIRANTE
Uma visita a A-do-Freire para trabalhar e comer figos
Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa. É lá que vive a mais entusiasta produtora de figos de Torres Novas e o senhor João Alves Baptista que tem 83 anos e nasceu em Viana do Castelo.
Adofreire é uma aldeia do concelho de Torres Novas onde vivem cerca de 150 almas. Fui lá pela primeira vez muito recentemente no regresso de uma viagem ao Porto, onde renovei energias a ouvir a água de uma cascata, entre idas ao cinema, à livraria e uns mergulhos nas praias fluviais. No dia que desci a sul parei em Adofreite.
Estacionei o carro junto à igreja e sentei-me no degrau de uma porta à espera da Michele Rosa, a produtora de figo preto com quem tinha marcado encontro. Nesse meio tempo, que durou cerca de 20 minutos, só passou por mim uma alma, que puxava uma traquitana a arrojar pelo chão. Entretanto chegou companhia para fazer dupla no trabalho que me levou a Adofreire, e a presença do carro identificado com o símbolo de O MIRANTE incentivou a conversa entre forasteiros e residente. A única alma que tinha passado por mim e dado os bons dias, puxando a traquitana, estava de volta já sem a geringonça pela mão. João Alves Baptista parou na esquina da rua e desta vez meteu conversa. “Este jornal já entrou na minha casa durante muito tempo. Depois deixei de o receber. Tive pena, mas o dinheiro nunca é muito para pagar o que não é pão para a boca”, disse, identificando-nos com o carro, também estacionado no largo da igreja, como se tivéssemos escritos na testa.
“Agora já nem tenho olhos para ler. Mas vim aqui parar de uma terra que tem a festa tradicional mais famosa de Portugal, sabem qual é”, perguntou em jeito de quem queria saber e perceber se a nossa vontade de interagir era genuína. Viana do Castelo, respondemos quase em cima da pergunta. Os seus olhos sorriram e demos-lhe razões para continuar a contar a sua história de vida como se fosse sua obrigação fazer o papel de anfitrião da aldeia enquanto esperamos a mais entusiasta produtora de figos da região.
João Alves Baptista
“Tenho 86 anos e este menino que vos fala ainda faz a lide da casa e trata da mulher que, infelizmente, precisa da minha ajuda. Fui trabalhar para Lisboa onde morei 20 anos. Depois mudei-me para aqui porque vim trabalhar para a Renova. Reformei-me e trabalhei durante muitos anos como empregado de mesa a fazer festas e casamentos. Corri o país. Agora acabou-se. Estou preso em casa por causa da mulher, mas também porque, entretanto, fiquei doente dos pulmões. Uso bomba duas vezes por dia, uma de manhã e outra à noite. Foi há quatro meses que um médico que me deu mais atenção mandou fazer exames. Já andava assim há muito tempo, mas agora os médicos só tratam o que está à vista. Não há tempo para mais. Daí que tenha chegado a um estado ruim, de uma doença pulmonar que demorou a descobrir por falta de exames atempados”.
A conversa estava a aquecer e íamos começar a falar dos filhos e das saudades da terra natal quando apareceu o carro da Michele Rosa que parou e gritou, “bom dia senhor João”, já nós tínhamos levantado o rabo da pedra do degrau da porta para ir ao seu encontro, enquanto o senhor João respondia à saudação e dizia, no timbre de voz em que falávamos, que a Michele era uma rapariga de confiança e filha de gente boa.
Nesse meio tempo em que conversamos com João Alves Baptista, Adofreire parecia a aldeia dos peregrinos; se não fosse a meia dúzia de carros que circularam, e que desapareciam sem fazer barulho suficiente para interromperem a conversa, dir-se-ia que naquela tarde, em Adofreire, éramos os únicos habitantes que não dormiam a sesta ou não se escondiam do sol de Verão entre quatro paredes.
A história acaba aqui, mas, entretanto, ainda está actual a outra que fomos contar conversando com Michele Rosa, que nos mostrou pela primeira vez na vida como se produzem figos de forma ecológica, pendurando armadilhas nas figueiras para apanhar as moscas e assim evitar a pulverização das árvores com o veneno que garante o crescimento saudável do figo, mas prejudica a saúde. Falta contar que Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa apesar de ter apenas cerca de 150 eleitores. No dia 14 de Janeiro de 2001 a população desta localidade boicotou as eleições presidenciais portuguesas não comparecendo às urnas para votar, em protesto, contra a falta de cumprimento da promessa da autarquia de Pedrógão, sede da freguesia, sobre a resolução do problema da poluição da ribeira local. E ainda tem a particularidade de se poder escrever com duas grafias diferentes. - JAE.
J. A. Emídio |